O Mal-estar na civilização - Resumo
O Mal Estar na Civilização: 1930
FREUD, Sigmund. Obras Completas, Ed. Standard Brasileira das obras Psicológicas completas de Sigmund Freud, vol. XXI. Rio de Janeiro, Imago, 1980.
O autor aborda como tema principal do texto, o Mal Estar como impacto ocasionado pela sociedade e seus respectivos processos civilizatórios aos indivíduos. Este processo é tido como antagônico e irremediável, visto que o ser humano estaria em meio à luta entre seus instintos e pulsões, e as exigências impostas pela sociedade.
A partir das reflexões abordadas em um dos livros do próprio autor, inicia-se uma discussão acerca da origem da religiosidade nos seres humanos, nomeado por um conhecido do autor como sentimento oceânico. Este sentimento seria sentido como uma ligação com a eternidade, sendo ilimitado, constituindo a subjetividade capaz de gerar a energia necessária para o desenvolvimento da religiosidade. Freud não encontra resquícios desse sentimento em si mesmo, e não concorda com suas premissas, iniciando uma investigação sob a ótica da psicanálise.
A partir de um sentimento que não lhe deixa dúvidas quanto a sua existência; o sentimento do eu, ou Ego, observou-se que o Ego aparenta, a princípio, certa definição e autonomia, porém, ao contrário do que se podia imaginar, o Ego continuado para o interior não contaria com fronteiras delimitadas com o id, atuando como uma espécie de máscara deste mesmo.
A partir do trabalho de pesquisa Freud passou a observar que, externamente, o ego demonstrava delimitações claras em suas fronteiras, e que somente um episódio poderia romper com as delimitações do Ego com o objeto; este episódio seria o auge do amor.
O autor defende a ideia de que o ego passa por transformações: o bebê não consegue distinguir entre ego e objeto; é somente a partir da separação da criança com o seio materno, e sua conseqüente reclamação/choro que há a possibilidade de retorno do seio ao atendimento de suas necessidades. O bebê passa a entender que o seio é alheio ao seu ego.
Outro fator complementar à distinção entre ego e o mundo exterior, seriam as constantes sensações de desprazer vivenciadas no cotidiano, que são afastadas ou repelidas pelo o que Freud denominou como Princípio do prazer.
Segundo o autor, o principio do prazer visa à busca por prazer e satisfação, ao mesmo tempo em que se afasta das possibilidades de desprazer e sofrimento vindas do mundo externo, tido como ameaçador. O Ego passa a afastar e colocar para fora tudo o que estiver relacionado ao desprazer, sendo intolerante ao sofrimento.
O ego é descrito nestes termos como primitivo, passando por retificações ao longo de sua existência, devido às experiências proporcionadas pelo desenvolvimento, porém alguns objetos e sofrimentos são mais difíceis de afastarem, pelo fato de estarem ligados ao ego de certa forma. É a partir das escolhas sensoriais e musculares que o sujeito passa a distinguir entre o que pertence ao mundo interno, e ao mundo externo; ou o que é parte do seu corpo e o que não é.
O autor defende a introdução do Princípio de Realidade, que é fruto do desenvolvimento do ego primário. Este princípio nos prepara para nos defendermos das sensações que causam desprazer ou que constituem como ameaças. O Ego passaria a desviar-se de sensações ou excitações que geram desprazer da mesma forma que faria com os estímulos aversivos vindos do exterior, ou seja, o ego primitivo que antes era integrado com o todo, agora passa a separar-se do mundo externo; esta seria a origem de importantes distúrbios patológicos.
Observa Freud que o nosso Ego atual é apenas um resíduo de um sentimento mais inclusivo, que consistiria em uma ligação mais íntima entre o Ego e o mundo externo.
A presença deste sentimento estaria em diferentes níveis em cada humano, coexistindo juntamente com o Ego, que passou pelas retificações proporcionadas pela experiência. O Ego marcado pela maturidade encontra-se mais estrito e alheio à realidade, ao contrário do que ocorre com o Ego primário, este que possui uma essência de integralidade e vínculo com o universo, o que corresponderia ao Sentimento Oceânico descrito por seu amigo.
A permanência das características do Ego primário independentemente da existência do Ego maduro foi exemplificada no texto por inúmeras maneiras; atentei-me especialmente ao exemplo da evolução dos animais, onde observamos que as espécies mais evoluídas se originaram das menos evoluídas, porém ambas encontram-se presentes nos tempos atuais.
Estas revelações são importantes por demonstrarem que as experiências da vida mental podem ser preservadas, independente do seu desenvolvimento. É sob esta constatação que residiria o sentimento oceânico, sendo componente do Ego primitivo, preservado pelo atual.
Freud mostra que um sentimento poderá ser convertido em energia se for parte de uma considerável necessidade. É neste ponto em que o relaciona ao sentimento de desamparo infantil, sendo a necessidade da religiosidade, relacionada ao estado de desamparo do bebê e o anseio pelo pai.
Freud sustenta a hipótese que o sentimento oceânico tenha se ligado à religião em um segundo momento, como consolação religiosa pertinente para afastar e proteger o indivíduo dos perigos e ameaças externas.
No segundo capítulo, Freud resgata alguns conceitos abordados em “O Futuro de uma Ilusão 1927, onde considera a religião como um sistema explicativo de fenômenos do universo que garante uma “proteção” com a vida daquele que crê, o recompensando em outras existências. Isso seria possível a partir da existência de um pai infinitamente engrandecido. Esta constatação leva o autor a classificar essa relação com infantil.
Apoiado pela observação do comportamento humano, Freud constata que o homem busca como desejo de vida, nada mais que a felicidade. Esta busca o leva a evitar o sofrimento, ao mesmo tempo em que busca o prazer.
O autor demonstra como o mal estar se personifica, com a oposição exercida entre Princípio do Prazer e todas as leis do universo. Este princípio atuaria de forma predominante, independente das resistências externas que impossibilitam seu curso.
Freud relata que a felicidade seria expressa em pequenos episódios, quando uma satisfação reprimida estaria sendo satisfeita. O Prolongamento desta seria nada mais que um contentamento. Esta passagem rompe com os ideais de felicidade plena, aos quais comumente observamos nas deliberações humanas.
Observa-se que a infelicidade encontra caminhos mais livres para atingir os seres humanos, visto que a felicidade encontra diversos focos de restrição. Sobre as formas de sofrimento que podem acometer o ser humano, o autor destaca três possibilidades: O sofrimento causado pelo próprio corpo; o sofrimento causado pelo mundo externo, sendo uma fonte ameaçadora; e o sofrimento ocasionado pela convivência com outros humanos.
O Autor observa que à custa das inúmeras conseqüências de sofrimento, o ser humano passaria a reduzir seu nível de expectativas e exigências em relação à felicidade, e com esse pressuposto, surgiria então o princípio da realidade. Agora, o ser humano passa a ficar satisfeito, ou feliz, apenas por ter conseguido evitar o sofrimento, colocando a busca pela felicidade e sensações de prazer em um segundo plano.
Com a colocação da busca pelo prazer em segundo plano, deliberar em direção à satisfação irrestrita dos desejos seria uma inversão desta “nova ordem” gerando a conseqüência da culpa.
Com a constatação das diferentes fontes de sofrimento, vimos que há diferentes formas de enfrentá-lo. Contra o sofrimento advindo dos relacionamentos com outros, a melhor saída seria o isolamento social; contra o mundo externo, poderíamos nos afastar, ou nos agruparmos com outros seres humanos, e ainda utilizarmos da ciência para controle e domínio da natureza.
Segundo Freud, as formas de evitar o sofrimento gerado pelo próprio corpo seriam mais complexas. Estas estariam sujeitas a certa regulação interna que permitiria a sensação deste sofrimento em maior ou menor grau de intensidade, sendo a intoxicação a forma mais “eficaz” e simples desta hesitação. Freud utiliza-se do termo ‘amortecedor de preocupações’ para elucidar melhor essa questão.
O autor passa a relatar outros mecanismos que poderiam ser utilizados no enfrentamento do sofrimento, como o Aniquilamento dos instintos. Desta forma, o ser humano faria a escolha por não atender aos seus instintos e desejos. Uma segunda alternativa seria o deslocamento da libido com apoio da sublimação dos instintos, ou seja, os instintos seriam deslocados para o trabalho intelectual, causando satisfações como define o autor, mais refinadas, que não seriam comparadas em intensidade, às satisfações dos instintos primários.
Outra forma de evitar o sofrimento seria através da utilização de ilusões acerca dos fatores geradores de sofrimento.
A evolução da análise do autor chega ao ponto da constatação de que a felicidade é resultado do fato de amar e ser amado, sendo o amor sexual, sua principal fonte.
No terceiro capítulo Freud afirma que sofrimento é inevitável, e é esse fato que nos move; é a partir desta luta que a vida humana acontece.
A civilização, como condição do homem evoluído seria a principal fonte de infelicidade do homem e o seu abandono nos remeteria a uma maior felicidade, assim como viviam os seres primitivos. O argumento também é provocador ao demonstrar que os investimentos realizados para nos defendermos dos sofrimentos estão diretamente relacionados à constituição da mesma civilização.
A condenação do processo civilizatório teria ocorrido a parti de alguns acontecimentos históricos como a sobreposição do Cristianismo sobre o Paganismo, as viagens de descobrimento e o conhecimento dos mecanismos de formação das neuroses.
Freud nos mostra que a civilização estima as atividades mentais elevadas, onde o papel das idéias assume considerável peso. É nesse contexto que o ‘ideal de homem’ surge como meta de perfeição estabelecida pela Filosofia.
Segundo Freud, a civilização substitui o poder individual do ser humano pelo poder da sociedade. Esta por sua vez passa a estruturar suas leis e códigos de conduta para regular as relações sociais. Essa perda de liberdade, opressão e privação dos instintos, não poderia ser realizada sem conseqüências; caso não fossem compensadas, podendo resultar em graves distúrbios.
O autor relata que o homem descobre a importância do seu trabalho com a terra para melhorar a sua vida. Descobriu também a utilidade de ter um companheiro de trabalho. Anterior a este fato o homem já possuía o habito de formar famílias, sendo seus filhos os primeiros auxiliares.
Em um dado momento, o homem haveria sentido a necessidade de obter satisfação genital constante, daí surge a viabilidade em manter sua parceira ao seu lado; esta por sua vez, não queria se separar de seus filhos, optando por permanecer em companhia do homem.
O Pai de família tinha vontade irrestrita, cabendo aos filhos e mulher, conviver com as restrições de conduta.
Freud cita o seu texto Totem e Tabu (1912-13) onde explica a evolução desse modelo de família para a convivência entre irmãos. Desta convivência observou- se que esta unidade seria mais forte que um único sujeito isolado.
O homem pôde observar que o convívio com a fêmea lhe proporcionava as mais intensas satisfações que foram internalizadas como expressão da felicidade, fato que o levou a replicar este modelo no futuro.
O amor (genital) que fora responsável pela estruturação das famílias, sofreu uma modificação ao transformar-se em sentimento de afeição, com o propósito de reunir as pessoas. Freud observa que o conceito atual de amor gerou- se a partir da inibição do instinto sexual, e que esta essência estaria presente em nosso inconsciente.
A primeira fase da constituição da civilização, Totem, caracterizou, talvez, a maior castração sofrida pelo homem ao condenar as relações incestuosas. A segunda trouxe o desenvolvimento dos Tabus, suas regras e normas que afetaram de forma significativa as relações entre os seres humanos.
Neste mesmo período houve a condenação da poligamia e a imposição de um modelo único de expressar a sexualidade, passou a ser adotado, onde a satisfação extragenital era vista como perversão.
Freud passa a observar que as frustrações sexuais são compensadas por sintomas de satisfação no mecanismo da Neurose, gerando sofrimentos pela forma como se apresentam ao próprio sujeito, ou pela incoerência com os valores culturais onde o sujeito está inserido.
Observa-se que a civilização busca a integração entre os seres humanos pela libido inibida, fortalecendo os laços de amizade e, para isso, fez-se necessário as restrições à vida sexual.
O autor questiona-se sobre quais motivos levariam a civilização a restringir a sexualidade. O ponto de partida para o entendimento poderá ser explicitado pela exigência que diz: ‘Amarás a teu próximo como a ti mesmo’. Racionalmente, Freud parte do pressuposto que se amo alguém, este mesmo tem de merecer esse sentimento; a partir desse pressuposto, amar ao outro como se fosse a si mesmo, seria possível somente a partir do reconhecimento de suas próprias características no outro, tornando impossível amar alguém que não refletisse essa identificação.
Seria mais fácil pressupor que esse outro não identificado pudesse ser odiado. O autor faz menção aos instintos agressivos, apoiando se no fato de que ao contrário do que se pensa, carregamos em nossa essência esta predisposição à agressão ao outro.
Somente Eros e Ananke não seriam suficientes para manter a civilização integrada; seria necessário, segundo Freud, recorrer a mecanismos mais eficientes de controle, criando identificação entre os seres humanos através do amor reprimido.
O abandono da satisfação em agredir, seria uma fonte de desconforto ao homem.
Freud introduz o termo libido para contemplar a energia dos instintos objetais que se confrontam com os instintos do ego, onde o primeiro busca a preservação da espécie, e o outro busca a manutenção da vida.
Inicia-se a separação do instinto sádico da categoria dos instintos objetais por estar mais próximo dos instintos de domínio, porém observa que o sadismo está ligado a vida sexual, onde a afeição seria substituída por atos de crueldade.
A neurose seria o resultado direto da contraposição entre os instintos de preservação e os interesses da libido.
Freud cita seu trabalho: Além do princípio do prazer (1920), onde passou a entender que além do instinto de preservação da vida, mantendo-a reunida em unidades, existiria um instinto contrário com o objetivo de desfazer essas unidades retornando o ser humano à sua essência, sendo os acontecimentos da vida, explicados pela ação concorrente dos instintos de vida e morte.
O instinto agressivo direcionado ao exterior seria a expressão do instinto de destrutividade. Se este mesmo instinto direcionado para fora, fosse reprimido, teríamos o seu investimento no próprio Ego, sendo a expressão da autodestruição.
O autor aponta o Masoquismo e o Sadismo como expressões do instinto destrutivo, sendo o Masoquismo um direcionamento do impulso destrutivo ao próprio Ego, e o Sadismo como investimento destrutivo ao exterior, sendo ambos carregados de alguma parcela de erotismo.
Sobre as estratégias utilizadas pela civilização para restringir a agressividade, destaca-se a introjeção da agressividade, devolvendo esta energia ao Ego, sendo assumida por uma parte deste, que comporia o Superego. Esta mesma entidade seria responsável pela consciência, gerando o sentimento de culpa. Segundo Freud, seria a principal forma de contenção dos impulsos agressivos.
A contenção dos instintos seria necessária para atender os ideais do outro, com o preço da renuncia de algo que poderia satisfazer os desejos do próprio sujeito. Em um segundo momento, a figura de autoridade dos pais passa a ser alocada na figura da sociedade, até que essa figura seja internalizada a partir do Superego. Agora não se trata mais de reprimir os instintos por medo de perder o amor do outro, pois o simples fato de pensar no ato ‘mau’ seria o suficiente para gerar a culpa, uma vez que, nada mais poderia ser escondido do Superego.
O autor relata que o sentimento de culpa representa o maior obstáculo ao desenvolvimento da sociedade, visto que perdemos nossa felicidade e liberdade pela intensificação do sentimento de culpa, em decorrência do desenvolvimento da civilização.
O mal estar na civilização seria o sentimento de culpa inconsciente, não nominado, portanto, não reconhecido; seria também uma insatisfação que resulta do conflito entre nossos desejos e instintos primários, e os ideais praticados pela civilização.
Segundo Freud existe um Superego individual e um cultural, sendo ambos fontes de exigências estritas, atuando de forma semelhante na repressão dos instintos.
Concluindo, o autor questiona se não teríamos argumentos suficientes para afirmarmos que a influencia cultural possibilitou o desenvolvimento de uma civilização neurótica. O principal ponto de atenção que nos remete a sua crítica é o seguinte: Até que ponto a civilização conseguirá impedir os instintos de destruição ou pulsão de morte com suas estratégias de unificação e repressão dos instintos?
Referência Bibliográfica: FREUD, Sigmund. Obras Completas, Ed. Standard Brasileira das obras Psicológicas completas de Sigmund Freud, vol. XXI. Rio de Janeiro, Imago, 1980.